
Água sobre Lisboa
2 - Estou aqui. Reconheces-me?
Encontro um filme rodado por entre pequenos delitos, num vagão encarcerado numa estação ferroviária. São apenas fugas
lentas, relatos de despojos em crimes suburbanos.
1 - Sobreelevas-me...
2 - A ti?! Não me vejo assim.
1 - ...sim, reconheço-te.
Assumo o caminho das colinas, é o caminho que me provoca os pés. Uma história a contar, evoluída no dia-a-dia, mas após
o memoriar a pausa com o pensamento em branco...
2 - Estás só?
1 - Sim, é a cidade quem mo pede, uma acção descrita aos ouvidos do mundo.
2 - Sabes, uma manhã acordei, numa outra cidade, bem sabes, repleta de murais, deitada sobre um segredo.
1 - A preguiça?
2 - Não.. um vagar delicioso!
Mas tenho esta história, vivida nesta cidade água. Água limpa, pelo menos vejo-a.
Acerca desta cidade, há o rio que nasceu do prazer entre a noite e o dia, e nele mergulha negra poesia.
2 - E tu?
1 - Penso muito no andar, perdido na utilidade de um mapa e ridicularizado por um ponto, depois, ilustro-me na dualidade
das imagens e transparências.
É um jogo, esta cidade. Velha, nova, caminhada em prazer rua a rua, planeado o princípio do cansaço. Sempre em aberto,
os olhares imprimidos. Apercebo-te enorme, em passos de tango. Ficou imóvel, a escadaria...
2 - É difícil esta cidade!
1 - Pelos degraus?
Temos de saber conquistá-la, sabes o cansaço desperta-nos o sabor! Eléctricos, docas, calçadas, os mercados. A projecção ressalta na bobine, a tempestade anuncia-se tal como o enredo.
1 - Sobretudo mensageira da tentação, não julgues a paz aparente. És bela...
mas o tempo!
2 - Sim, aflige-nos. Mas não as horas vividas, certamente, alguma destas janelas não o esquecerá.
1 - Sim. Danças um pouco?
2 - E a tempestade?...
Ao filme epidérmico adormeço, adormeces tu também num sorriso de satisfação, ao nadar tão livremente na água das ruas,
onde a pele é origem, palavra sobre palavra.
2 - Engraçado, retenho a impressão.
1 - Voltas?
2 - E a minha cidade?...
Sou eu, na tua dimensão.